26.9.09

Mudança!

http://docedeclinio.wordpress.com/
http://docedeclinio.wordpress.com/
http://docedeclinio.wordpress.com/

Juicer Walita v2

 
- Está na hora de você conhecer o Juicer Walita!

  A voz dançava no meu cérebro e com razão: já era hora.

- Mais suco! Mais rápido! E com a fruta inteira!

  Com a fruta inteira. Olhei para os outros três. Eles estavam em silêncio. Um do meu tamanho vigiava a porta da cozinha, outro mais baixinho pensava fitando a geladeira aberta. O terceiro eu não conseguia ver, mas sabia que estava ali em algum lugar.

- Graças ao seu motor de alta rotação
e seu sistema de microtrituração
que separa o suco dos resíduos

  Interessante, não? – você não deve estar entendendo nada, vou falar um pouco sobre mim então: sozinho, eu durmo cedo. Meus vizinhos aqui do prédio me acham estranho, porque eu trabalho aqui, eu como aqui, vivo aqui. As pessoas pensam que eu não me dou bem com os seres humanos. Mas isso não é verdade.

- Juicer Walita garante o aproveitamento total da fruta na hora!

  Aproveitamento total na hora. É por isso que é tão sedutor, a voz do anunciante da polishop disse a maior das verdades: não adianta viver para se arrepender de algo.

- E como ele tem duas velocidades,
você consegue extrair tudo das frutas e legumes mais macios!

  Extração total – não é algo que existe na vida real, ponto para o incrível Juicer Walita. Agora, você deve estar achando que eu sou louco e que eu realmente não me dou bem com seres humanos. Desculpa, eu sei que pareço, mas não é verdade. Eu posso contar nos dedos, todos em que eu confio. Todos que confiam em mim e acreditam em mim. Meu pai, minha irmã. Eu consigo contar nos dedos. Eu não odeio a Humanidade.

- E aproveita ao máximo
até os nutrientes e vitaminas dos alimentos mais duros.
Maçãs, beterrabas, cenouras e até um abacaxi COM CASCA.

  COM CASCA, esse é um detalhe importantíssimo, haha. Bem, continuando. Eu faço umas coisas idiotas. Mas acho que todos nós fazemos. E esse é o problema. Seis bilhões de pessoas não podem ter carros, o mundo não agüentaria.

- Direto da fruteira para o seu copo
sem cortar sem descascar
e sem sofrimento
para fazer os sucos mais deliciosos com a fruta inteira!

  E seis bilhões de pessoas não podem fazer coisas idiotas. As outras cinco bilhões, novecentos e noventa e nove pessoas não agüentam. Agora, um ponto negativo é o “sem sofrimento”. Nada é feito sem sofrimento, dessa vez o anunciante está mentindo! Não se engane. Mesmo nos mínimos detalhes há arrependimento e, portanto, sofrimento. Não se engane. A gente se arrepende. Todos nós.


- Crie bebidas mais nutritivas para as crianças
com legumes e verduras em apenas 30 segundos.

  Trinta segundos é um bocado de tempo, não chega a ser um ponto negativo no entanto. Voltando a falar de mim, eu sou mais normal do que muita gente. Eu posso pedir conselhos para meus amigos. O problema é que, quanto mais gente, mais chance de você se cortar. Tem pessoas que não tem ninguém. Ninguém mesmo. Essas pessoas, eu não sei. Mas é tanto ser humano que, sempre tem alguém. Para fazer você se sentir culpado, inferior, um merda. Arrependido. Apaixonado, inútil, desprezível. Arrependido.

- O design sofisticado em aço escovado combina com sua cozinha
e tem 5º graus de inclinação

  Já parou pra pensar como deve ser a vida do dono dessa voz do polishop? A esposa dele deve brochar toda vez que ele fala “Seu cabelo assim, escovado, combina com essa cama sofisticada. Amor.” Haha, essa voz dilacera meu cérebro e eu não consigo parar de pensar em duas coisas: esse narrador deve ter se arrependido de vender a sua voz e como é tão bonito o aço escovado.

- pra você ter todo o suco até a última gota!

  Até a última gota. A última gota é a mais importante. Por exemplo: tem uma coisa que eu não entendo. As pessoas com esquema que reclamam do governo. Os representantes do governo que reclamam da imbecilidade do povão. Seus burrinhos. Eles reclamam depois de brindar à fartura da mesa com as taças de champagne. Um culpa ao outro e nunca há uma última gota. É um ciclo vicioso que continua pra sempre. As coisas tem que acabar um dia. Deve haver uma gota final.

- Juicer Walita tem ventosas exclusivas que aderem à superfície
tornando mais prático e seguro o preparo de todas essas delícias!

  As ventosas, é um ponto positivissimo. Para concluir o pensamento anterior: No caso do pobres desonestos, eles acabam se corrompendo e em algum momento se fodem. No caso dos políticos reclamões, eles tem tudo, casa, dinheiro, processos, prostitutas, esposas, filhos com dinheiro, filhos empregados, bigodinho. Mas estão arrependidos. Todos estão arrependidos. Em algum ponto, estarão arrependidos. Não vale a pena viver para se arrepender.

- Aproveite tudo com Juicer Walita!

  APROVEITE TUDO! Sem cortar, sem descascar e sem arrependimento.

- Faça com as fibras dos alimentos
diversos pães, bolos,geléias e tortas deliciosas!

  O homem do meu tamanho que estava na porta gritou que vinha alguém, que alguém batia na porta. E então desapareceu, ele estava se preocupando a toa.
Olhei para o pequeno perto da geladeira. As preocupações dele eram tão idiotas que chega a dar raiva. Que imbecil. Pare de pensar na merda empedrada na sua barriga, seu lixinho. Ele também sumiu.
  Havia muito barulho, mas eu conseguia escutar as batidas na porta. Uma mulher entra correndo e chega até a cozinha. A minha vizinha. Ela deve ter ouvido os gritos. Certamente. E a porta estava aberta mesmo.
  Ela olha horrorizada para mim. Mas não há por que se chocar. Eu tenho quem me ame. Eu não sou estranho como ela pensa que eu sou. Já expliquei isso: eu posso contar nos dedos quem me ama. E é por isso que eu digo:

- Faça o seu pedido pra receber inteiramente grátis
um livros com mais de 200 receitas!

  Haha, já sei de cor. E naquele momento de reflexão, foi a única coisa que me ocorreu. Ela tampa o rosto com as mãos, aposto que se arrependeu de ter entrado.

- Aprenda o preparo de lanches saudáveis,
pratos sofisticados
e veja também como fazer mais de 90 sucos
com o seu Juicer Walita!

  Ela está chorando. Ora, minha vizinha não chore. E eu vou até ela com todas as minhas forças. Eu rio. É tão engraçado! Haha! Eu não tenho nada para me arrepender! Eu não tenho com quem me arrepender! Eu não posso contar quem me ama nos dedos! Eu não posso contar quem eu amo nos dedos!
  Eu explico. Imagine isso: você está cortando um pimentão e faca pega no seu dedo. Ou então mexendo com papéis afiados e se machuca. Pode ser que esteja distraído e quebre um copo de vidro com a força da sua mão. Imagine isso. Agora imagine as lâminas passando rapidamente; o sistema de microtrituração mutilando cada pedacinho dos seus dedos; Haha. Ele mutila o inútil do meu pai. A vagabunda da minha irmã. Ele mutila todos os meus amigos um a um.
Tritura o vestido de noiva dela. Tritura a cretinice dela. E mói por completo meu “mata-piolho”. Haha, que nome engraçado. AHAHAHA.
  DÓI. Dói muito. Se você já quebrou alguma parte do corpo, pense numa dor muito mais intensa. Pare agora e finque as unhas de uma mão nas palma da outra. Imagine sua mão sendo destroçada em instantes. Os ossinhos rachando. Toda carne virando excesso. Toda a pele sendo arranca. Haha, o COM CASCA vira nada. Dói muito. Dói agora, mas não é uma dor que eu vá me arrepender. Os discos arrebentaram minhas mãos, uma de cada vez. Eu não queria, mas o corpo tem a necessidade de gritar, de chorar, de sentir dor. Quanta bobagem. São só meus amigos. Minha família. São só pedacinhos de carne da minha mão sendo esfolados infinitamente. Ela sendo fudida por outra pessoa. Por vários segundos.
  HAHA, entende? Você entende, não? Essa mulher na minha frente pensa que eu sou louco. HAHA. Tem um copo de sangue minha na pia, sangue, ossinhos, pele, de tudo um pouco. E eu digo a ela que ali em cima da pia está minha essência. Digo que só uma pessoa, uma menina parecida com ela, havia visto minha essência antes. Essa outra não gostara e pedira o divórcio, mas essa agora poderia gostar. Você pode gostar. Você deveria gostar. Afinal, se aquela pessoa te mostra a sua essência, ela certamente se importa com você, não? HAHA, as pessoas nunca vêem isso. Se esquecem que tem gente que não tem ninguém.
  Se ela mergulhasse sem preconceitos, sem arrependimentos, ela gostaria da minha essência. Mas nunca há chance. É impossível. HAHA, é impossível. A menina só se encolhe com o rosto afundado nas mãos. Eu me aproximo, dois trilho de sangue e dois braços sem mão. Meu copo de mim mesmo está ali! Eu digo: vá lá, é aquele copo ali do lado do Juicer Walita, beba aos poucos, aproveite bastante, é só não virar tudo de uma vez só.
  Se apoiando nas coisas a sua volta, ela levanta com os olhos vermelhos tentando desesperadamente fugir. Quando o resto triturado da minha mão quase toca seu pescoço, ela foge pela porta. Antes de sair ela ainda olha pra mim. Se me ouvisse ela entenderia, não? Você me entende, certo? Mas as pessoas nunca ouvem.
Ela recusou meu copo. Eu vou matá-la! HAHA, vocês pensam que conseguem fugir, mas é impossível fugir. No fim sempre há o Juicer Walita para destruir tudo. Até a última gota.
  Eu corro atrás dela. HAHA, os gritos já chamaram atenção do resto das pessoas do prédio. Ela caiu. Ela está no chão. HAHA. Ninguém foge. Ninguém quer se arrepender. Você vai morrer! Agora, é hora de morrer! E eu vou matá-la agora mesmo! HAHA, acho que ela não existe de verdade. Acho que ela não passa de um arrependimento mesmo.
  Se ela... Você me entende, certo?


(Tenha em casa seu Juicer Walita!
Mais suco! Mais rápido! E com a fruta inteira!)

Cérebro de Corda


   A chuva caía serena. No vidro, as gotas d’água desciam com velocidade. Era bonito. Dentro, um mundo cinza de modernidade, seco e frio – uma aura de solidão no ar. Mas éramos dois no carro. Lá fora não dava para ver muita coisa, estava escuro e, embora calma, no horizonte tinha intermináveis fileiras da mais cinza chuva.
- Aonde nós estamos?
- Hm... Em Paris.
   Ela respondeu deitada no banco de trás. As mãos atrás da cabeça, encobertas pelo cabelo negro e comprido dela. Sua cabeça levemente encostada na porta, seus olhos apontavam para a outra janela – o narizinho pontiagudo também. Eu estava de frente ao volante, vendo a chuva escorrer pelo vidro da frente.
- E agora que que a gente faz?
- Agora, a gente dança. – a voz dela era quase sussurrante, suficiente apenas para chegar aos meus ouvidos.
   Eu tateei os bolsos da calça e depois o da minha camisa. Em vão, os cigarros já tinha acabado. Como se os cigarros fossem um tipo de parapeito, eu me sentia caindo naquele banco. Caindo dentro de lugar nenhum, só caindo. Como nos sonhos, só que acordado.
- O que a gente está dançando?
- A gente dança... Aquela música.
   Isso queria dizer que nós estávamos dançando El dia que me queiras, um tango do Carlos Gardel. Pode parecer estranho, essa ser a música de um casal do século XXI, mas era o que tava tocando na festaça do tio dela (melhor amigo do meu pai). Podia ter sido pior, podia ser um bolero sem graça. Acho que eu ficaria com vergonha se fosse Demônios da Garoa. Imagina se a gente se conhece naquela parte da festa que toca músicas animadas que tocam em todas as festas. Nossa música seria... Great Balls of Fire, do Jerry Lee Lewis, ou Twist, dos Beatles. Seria uma piada. Até que Carlos Gardel foi perfeito. É bem bom se você parar pra prestar atenção.
- Você não está com frio?
- Não.
   Eu senti um arrepio. Setembro congela meus nervos às vezes. Passei minhas mãos com velocidade nos meus braços – como se fosse um auto-abraço – para me esquentar. Lembrei de uma viagem que a gente fez pra friburgo. Se auto-abraçar significava: mais conhaque. O frio deixou nós dois embriagados naquelas férias.
- E agora que a música terminou?
- Eu não sei.
   Minha respiração estava pesada, meu pescoço doía – parecia um tronco. A chuva era nossa lounge music. De repente, uma luz começou a piscar, borrada, lá fora. Era um alarme de carro que disparou. E depois outro. Eu olhei para fora, não sabia o que era. Limpei o embaçado do vidro com o antebraço. Dois garotos encharcados de água de uns quinze anos passaram fazendo os alarmes dos carros dispararem. Até que um deles parou e me viu dentro do carro. Com os olhos em mim, ele tentou cutucar o outro garoto com a mão e rapidamente os dois estavam correndo, aos tropeços, de volta de onde vieram. Como se tivessem visto um fantasma.
   Eu fecho os olhos. Tento pensar em coisas boas. Naquele verão, quente e úmido do semestre passado. Nas luzes de Niterói, de madrugada. Aposto que aqueles garotos estavam bêbados. Tão cedo?
   Uma músiquinha briga com o som da chuva. “Acaricia mi ensueño...”, a voz inconfundível de Gardel. Eu atendo lentamente, minha mão está tremendo. Sem falar nada, ouço a voz dela na linha:
- Onde é que você tá?
   Eu faço silêncio, pensando que aquela era uma pergunta confusa.
- Seus pais tão preocupados, nem o Tiago sabe onde você tá.
   Outro arrepio, meu cérebro parece parar lentamente. Alguém precisar dar corda nele. A chuva piora.
- Ei! Responde alguma coisa!
   Eu me auto-abraço, mas a garrafa de conhaque já está vazia faz tempo.
- Tomás! Não faz isso comigo! Você disse que tava bem!
   Eu tento ir para o banco de trás, lá parece mais confortável. No entanto, meu cérebro está congelado. É difícil sair do lugar assim.
- Me diz! Onde você tá agora?
   Meu pescoço dói, meu cérebro está parado. Ainda assim, as palavras vem à minha mente e eu finalmente respondo:
- Em Paris.
   O século XXI não é como um tango de Carlos Gardel. Eu passo a mão na testa. Agora minha mão está suja de sangue. E eu me sinto deslocado.

19.9.09

Juicer Walita

 
- Está na hora de você conhecer o Juicer Walita!

  Sua voz dançava no meu cérebro.

- Mais suco! Mais rápido! E com a fruta inteira!

  Os outros três ficavam em silêncio. Um vigiava a porta da cozinha, outro pensava fitando a geladeira aberta. O terceiro eu não consegui ver, mas sabia que estava ali em algum lugar.

- Graças ao seu motor de alta rotação
e seu sistema de microtrituração
que separa o suco dos resíduos

  Eu moro sozinho, eu durmo cedo, meus vizinhos me acham estranho, eu trabalho aqui, eu como aqui, as pessoas pensam que eu não me dou bem com os seres humanos. Mas isso não é verdade.

- Juicer Walita garante o aproveitamento total da fruta na hora!

  Aproveitamento total na hora. É, nesse ponto, eles tinha razão – não adianta viver para se arrepender.

- E como ele tem duas velocidades,
você consegue extrair tudo das frutas e legumes mais macios!

  Não é verdade. Eu posso contar nos dedos todos em que eu confio. Todos que confiam em mim e acreditam em mim. Meu pai, minha irmã. Eu consigo contar nos dedos. Eu não odeio os seres humanos.

- E aproveita ao máximo
até os nutrientes e vitaminas dos alimentos mais duros.
Maçãs, beterrabas, cenouras e até um abacaxi COM CASCA.

  Eu faço umas coisas idiotas. Mas acho que todos nós fazemos. E esse é problema. Seis bilhões de pessoas não podem ter carros, o mundo não agüentaria.

- Direto da fruteira para o seu copo
sem cortar sem descascar
e sem sofrimento

  Seis bilhões de pessoas não podem fazer coisas idiotas. As outras cinco bilhões, novecentos e noventa e nove pessoas não agüentam.

- Para fazer sucos mais deliciosos com a fruta inteira!

  Elas se arrependem. A gente sempre se arrepende.

- Crie bebidas mais nutritivas para as crianças
com legumes e verduras em apenas 30 segundos.

  E tem pessoas que não tem ninguém. Essas pessoas, eu não sei. Mas é tanto ser humano que, sempre tem alguém. Para fazer você se sentir culpado, inferior, um merda. Arrependido. Apaixonado, inútil, desprezível. Arrependido.

- O design sofisticado em aço escovado combina com sua cozinha
e tem 5º graus de inclinação

  Sua voz dilacera meu cérebro, mas é tão bonito o aço escovado.

- Pra você ter todo o suco até a última gota!

  Até a última gota. Vergonha. Eu não entendo. Essas pessoas com esquema que reclamam do governo. Esses representantes do governo que reclamam da imbecilidade do povão. Seus burrinhos. Eles reclamam depois de brindar à fartura da mesa com as taças de champagne.

- Juicer Walita tem ventosas exclusivas que aderem à superfície
tornando mais prático e seguro o preparo de todas essas delícias!

  E depois de um tempo, eles tem tudo, casa, dinheiro, processos, prostitutas, esposas, filhos com dinheiro, filhos empregados, bigodinho. Mas estão arrependidos. Em algum ponto, estarão arrependidos. Não vale a pena viver para se arrepender.

- Aproveite tudo com Juicer Walita!

  APROVEITE TUDO! Sem cortar, sem descascar e sem sofrimento.

- Faça com as fibras dos alimentos
diversos pães, bolos,geléias e tortas deliciosas!

  O homem que estava na porta gritou que vinha alguém, que alguém batia na porta. Ela deve ter ouvido os gritos. Certamente. E a porta está aberta. Uma garota entra.
Eles foram embora, todos eles. E então ela olha horrorizada para mim. Mas não há por que se chocar. Eu tenho quem me ame. Eu posso contar nos dedos quem me ama. E é por isso que eu digo:

- Faça o seu pedido pra receber inteiramente grátis
um livros com mais de 200 receitas!

  Ela tampa o rosto, aposto que se arrependeu de ter entrado.

- Aprenda o preparo de lanches saudáveis,
pratos sofisticados
e veja também como fazer mais de 90 sucos
com o seu Juicer Walita!

  Ela está chorando. Ora, minha vizinha não chore. E eu vou até ela com todas as minhas forças. Eu rio. É tão engraçado! Haha! Eu não tenho nada para me arrepender! Eu não tenho com quem me arrepender! Eu não posso contar quem me ama nos dedos! Eu não posso contar quem eu amo nos dedos!
  Imagine isso: você está cortando um pimentão. Ou então mexendo com papéis afiados. Pode ser que esteja distraído e quebre um copo com a força da sua mão. Imagine isso. Agora imagine as lâminas passando rapidamente e o sistema de microtrituração mutila cada pedacinho dos seus dedos e depois da sua mão. Dói. Pare agora e finque as unhas de uma mão na costas da outra mão e tente usar toda sua força para sentir dor. Retorça aquela pele, puxe, tente rasgá-la. Agora, imagine sua mão sendo destroçada em instantes. Dói agora, mas não é uma dor que eu vá me arrepender. Os discos arrebentaram minhas mãos, uma de cada vez. Eu não queria, mas o corpo tem a necessidade de gritar, de chorar, de sentir dor. Quanta bobagem. São só seus dedos. Só meus dedos. São só pedacinhos de carne da minha mão sendo esfolados infinitamente.
  E eu digo a ela que ali em cima da pia está minha essência. Que só uma pessoa, uma menina parecida com ela, havia visto minha essência antes. Essa outra não gostara e pedira o divórcio, mas essa agora poderia gostar. Se ela mergulhasse sem preconceitos, sem arrependimentos. A menina só se encolhe com o rosto afundado nas mãos. Eu me aproximo, ela vai recusar meu suco! Meu copo de mim mesmo! Eu digo: vá lá, é aquele copo ali do lado do Juicer Walita, beba aos poucos, aproveite bastante, é só não virar tudo de uma vez só. Ela vai recusar. E eu vou matá-la! Eu vou matá-la agora mesmo! Acho que ela não existe de verdade. Acho que ela não passa de um arrependimento mesmo.

(Tenha em casa seu Juicer Walita!
Mais suco! Mais rápido! E com a fruta inteira!)

17.9.09

A Violência

 
A Violência é linda, e não há quem discorde disso.

Né?

14.9.09

Já viu?

 
On Connaît la Chanson - 1997, França!

   Ontem, eu vi um filme chamado "Amores Parisienses - Aquela velha canção" (On Connaît la chanson). Aliás, eu que nunca fui muito de ver filme que tá passando na televisão... Vi dois, esse ontem no Telecine Cult. E um outro hoje.

   Primeiro, parei pra ver pq tinha um cara e uma mulher e rolou um clima e o diálogo não era ruim - nem muito sério. De repente, eles começaram a cantar uma música - como se fizesse parte da conversa. Haha, muito bom!

   Quando percebi fiquei interessado na história. A partir de certo momento eu já sabia o que ia acontecer e depois eu não sabia de novo e eu sabia outra vez. Bobeira tentar prever o que vai acontecer, o importante é que me entreteu bastante enquanto aconteceu.

   As músicas francesas antigas, muito boas! Não sei se é porque eu to nas aulinhas de francês, mas só de ouvir aquelas cançõezinhas tocadas em playback, eu já abria um sorriso... Era... Simpaticíssimo. Gostei! - 8.

Smart People - 2008, États-Unis

   E hoje, hoje eu vi "Vivendo e Aprendendo" (Smart People). É um filme típico daqueles em que a pessoas (ou as pessoas) são muito inteligentes e não conseguem se relacionar direito. É meio indie também (Mas se o meu professor de Filosofia me perguntar o que é um filme indie... Fudeu, vou tentar enrolar ele com Ésquilo).

   No entanto... Esse filme tem Dennis Quaid (procura no Google, você conhece), Sarah Jessica Parker (Sexo e a Cidade), Thomas Haden Church (O Sandman de Homem Aranha) e Elle Page (Juno). E eles foram bem mesmo! Na minha opinião, o Dennis Quaid foi fantástico. Sei lá, o jeitão doente dele, é o tipo de coisa que me chama a atenção e foi o que me prendeu no filme (ele e a Elle Page, pq eu sou fãzaço de Juno).

   No final, muitas coisas acontecem e outras não acontecem e... Acho que não acrescentou muito, mas de algum jeito eu achei bonito. O típico filme em que a pessoa vive e aprende, só que... Eu reconheci os sentimentos de vários personagens como sentimentos que existem de verdade, sabe, além da necessidade de um bom roteiro, da ficção. Então gostei. 7.

13.9.09

Bienal / O que vc anda lendo?

  
   Vale a pena ir!

   Mas esteja ciente do princípio:
   Você VAI gastar todo seu dinheiro.

   Comprei 6 livros:

- Stardust - Neil Gaiman (Eu já li e já tinha... Mas tava a 10 reais!)
- Criaturas da Noite - Neil Gaiman (10 reais também!)
- Morte em Pleno Verão - Yukio Mishima (10 reais...)
- Pulp - Bukowski (14 reais)
- Monstros Invisíveis - Chuck Palahniuk (36 reais, facada)
- Do Outro Lado - Natsuo Kirino (50 reais, lendo)

   120 reais.

   E eu não comprei nenhum do Galeano (e eu queria todos.)

------------

   Falando em Bienal, queria falar sobre os livros que eu to lendo.

- As veias abertas da América Latina - Eduardo Galeano
- Do Outro Lado - Natsuo Kirino

   Agora, é normalmente o que eu faço, uma ficção + "estudo".

   E o último que eu li foi After Dark (Após o Anoitecer) - Haruki Murakami.
   Quem me conhece, sabe: Murakami é o meu escritor preferido, eu tenho todos os livros dele que já foram lançados aqui (e se alguém souber, quero comprar os outros também em inglês). TODOS, sem exceção, os livros dele são absurdos e incríveis e fascinantes e altamente reflexivos. Após o Anoitecer não é diferente e conta a história de uma madrugada. Pessoas se encontram, se descobrem. É fantástico. Recomendo!


   Pretendo sempre que escrever sobre os livros que eu li por último, aqui.

------------

Leitura recomendada:

O Livro dos Abraços (Eduardo Galeano)

10.9.09

Los Ex-Novios

 
- Todo Carnaval tem seu Fim.
  
   E é o fim, e é o fim. Depois de todo aquele tempo os dois finalmente se separaram. Ambos tristes. Ele não bebe. Mas ela sim. E numa dessas noites em que afogava as mágoas nos braços de um outro alguém, numa felicidade ébria e depressiva, percebeu a verdade:

- Todo Fim tem seu Carnaval.

7.9.09

Diarréia Existencialista

 
   Sua boca tá com um gosto estranho, o corpo fica meio estranho e quando você abre os olhos todas as coisas inanimadas estão se movendo de algum jeito. Tá um calor infernal, porque você não tirou a calça jeans. No banheiro, o xixi é interminável e incontrolável.
   O espelho mostra o seu rosto e você não reconhece a si próprio. O seu cabelo está quase batendo no teto. E você percebe que tem uma coisa dentro do seu organismo. Um vômito interno, aquela sensação gostosa de que merda.
   Sozinho, tá tudo uma bagunça. O caos total. Mas é lógico que você não tá com cabeça pra isso. Vai arrumar amanhã (ou não). O corpo não responde bem ao cérebro, tem um atraso, alguma coisa assim. A televisão passa coisas idiotas como sempre e você aperta o botãozinho vermelho escrito power no controle remoto.
   A tela da tv desligada reflete o seu rosto de antípoda. E num instante você está pensando na vida. Que merda que é a vida. Coisa sem sentido, niilista, capitalista, marxista, nazista, alienista; Porra, pra quê que serve viver?
   A janela tá ali esperando você. Tem mil facas na casa. Tem shampoo, venêno de rato, papel e caneta. Mas que besteira. Que porcaria de diarréia existencialista.
   Então suas pernas criam forças e seu estômago – que só tem bebida e vento – te leva até a cozinha. Você abre a geladeira e entende. É por isso que vale a pena viver. Soubrou uma fatia da pizza de ontem.

5.9.09

Amanhã e Ontem

 
O Eu de hoje não é o mesmo do de ontem, mas o de ontem é o mesmo do de amanhã, sabe?

3.9.09

Contatos Imediatos

 
Tuítter!

e AH! não conseguimos fazer o conto a tempo do curso. Mas vai sair uma história boa desse tempo que passamos pensando. Talvez até um filme.

22.8.09

Não sei

 
   A principio parecia uma sexta-feira normal, 13, mas comum. Como sempre Werneck passou lá. A garota era bem magra, cabelos longos e ondulados; pele escura como a dele: era perfeita. Cabelo para puxar (diferentemente do seu cabelo raspado), pele preta e cara de inocente. O workaholic não agüentava mais ver rostos culpados no final da semana. Era uma linda mulher, embora nunca fosse ingênua, havia de parecer pura. Algumas apelavam para esse rosto que tanto o agradava, mas outras mantinham a feição safada, mais verdadeira. Ele nunca ficava com uma dessas.
   Estavam indo para a casa dele. O bip vibrou, naquele jeito especial: forte, fraco, forte, fraco... O toque indicava SOS, a ligação era urgente e provavelmente destruiria sua noite. Ultimamente andava muito solicitado. Com o celular numa mão e o volante na outra ligou para quem havia lhe mandado a mensagem emergencial.
   A conversa foi rápida, terminou com uma ordem, um prazo e um sorriso sarcástico de raiva para si mesmo. O homem de cabelo raspado e terno rapidamente arquitetou um plano. Envolvia a mulher com roupas exuberantes ao seu lado.
- Você se importa de sair comigo... Antes?
- Não, tudo bem. (sorriso simpático)
- Certo, não demoraremos. Sorria apenas, obrigado.
   Em três minutos percorreram todo o caminho até o restaurante onde era o encontro. Em três minutos a garota se trocou no banco de trás. Werneck estava sempre preparado, embora fosse a primeira vez que isso acontecesse, tinha roupas adequadas guardadas para casos como esse no seu modesto Renault preto.
   Entraram no ristorante. Ele conhecia o lugar: cheirava a gente sem escrúpulos. Aquela cantina italiana era onde ele não queria estar. Odiava lá, odiava as pessoas de lá. As pessoas com olhar esnobe lotando as diversas mesas lhe faziam pensar “Não dá mais para mim, estou cheio de varrer tudo para debaixo do tapete.”.
   Na mesa 31, no segundo andar, localizaram Gilberto. Quase velho, óculos de aros negros e lentes espessas, careca, tique nervoso.
- Olá, essa é a Janet.
- Prazer (Sorrisos).
- O prazer é todo meu (a mesma voz grave do celular).
- Olha, nós não temos muito tempo (ajeita a gravata).
   A casa estava cheia, eles beberam e trocaram algumas palavras superficiais. Depois o agente de terno G. Fonseca pediu para falar num lugar mais reservado com o agente P. Werneck. Esse, antes de levantar, falou algo no ouvido da garota, ela concordou, ele tirou o paletó dizendo obrigado e saiu ao lado de seu companheiro. Seguiram o Maitre, já conhecido de ambos, até mesmo por ter muito mais sujeira debaixo do próprio tapete do que qualquer pessoa no restaurante. Ele também era da companhia, ele já fora alguém. Chegaram a uma área privativa, no final de um corredor bem perto da mesa onde estavam.
   Era uma sala vermelha, formidavelmente decorada. Ficava separada do corredor por uma cortina opaca rosada, feita de um pano bastante espesso. Havia um sofá circular, mas eles ficaram de pé.
- Eles querem te matar. – começou Gilberto.
- Eu também quero matar todos eles.
- É sério. Você sabe como todo mundo da companhia é descartável.
- Eu não sou. Eu conheço cada pessoa, cada agente. Eu sei o código de acesso.
- Eles podem te matar para conseguir isso. Me diga. Você sabe que eu posso te livrar dessa. Aí então você poderá fugir, ter uma vida, uma mulher... Filhos! O que mais você quer? Me diga.
   Vingança, pensou Werneck. Mas disse:
- Não, não vai dar. Eu tenho um plano.
- Você sempre tem! E é por isso que ninguém gosta de você. Nunca dá uma chance ao acaso. Você poderia, por favor, me dar o Código de Acesso?
- Não?
- Me dá o Código de acesso!
   Gilberto tinha as duas mãos em seu revolver. A arma dele tinha silenciador. A de Werneck também, mas ficara em seu paletó.
- Espere, deixe me considerar... Se eu disser o código, você vai me matar do mesmo jeito, não é?
- Não. Você sabe que não. Nós somos amigos, eu só quero o melhor pra você, nem que seja à força.
- Então tá. O código é...
   Um movimento leve na cortina rosada, Gilberto, ainda apontando para seu iniamigo, recolheu o braço com a arma para frente da barriga, atrás de seu paletó, de modo que quem entrasse não pudesse vê-la.
- Posso interromper? (Uma voz conhecida no meio do barulho do restaurante)
- Não, Mellini, depois! (Era o Maitre, Gilberto foi arbitrário.).
   O agente encurralado e visivelmente nervoso pôs as mãos no bolso. Estava de costas para a cortina. Um clique em seu celular e uma algo vibrou na mesa que eles estavam antes, claro, imperceptivelmente para ambos ali. Segundos depois, surgiu Janet pelo mesmo lugar que viera Mellini.
- Saia daqui seu Maitre estúpido! (Logo em seguida, ficou surpreso por não ser ele).
   Num movimento ligeiro, Werneck arremessou seu celular no rosto de Gilberto, quebrando assim seus óculos de aros negros. Ainda segurando a arma, o careca cambaleou para trás, de modo que seu oponente saiu de sua mira. Ele poderia ter tentado atirar, um único disparo certeiro, mas não quis, pois poderia atingir um inocente e causar um escândalo. Ele não queria isso.
   O detentor do código de acesso astutamente lhe deu um tapa na arma com a parte oposta a palma de sua mão. Rapidamente, desferiu no agente traidor um soco no diafragma e logo em seguida puxou-lhe a gravata com a outra mão. Gilberto estava humilhado, caído sem força, nem fôlego num dos punhos de Werneck e com a vida lhe escapando pela asfixia.
- Volte a nossa mesa e peça a conta, eu já vou.
   Ela assentiu com a cabeça e saiu. Não parecia muito chocada. Sem prazer algum, o agente P. assassinou, enfim, seu ex-amigo, o agente G..
   Tudo ocorreu como devia e Carlo Mellini nem os viu saindo.
- Obrigado, salvou a minha vida. Eu nunca imaginei que alguém como você fosse capaz de fazer isso. Irei te pagar 100 vezes o combinado. Vamos para casa.
   Ela sorriu. Diferentemente das outras que faziam programa, Janet tinha pouco corpo e um belo sorriso claro. Saíram de carro, o corpo ficou lá. O Maitre estava sempre pronto para arrastar mais um para debaixo do seu tapete.
- O que ele queria?
- Coisas que na verdade não tem valor algum.
- O quê?
- O Código de Acesso (um esboço de riso).
- E qual é o código?
- Eu poderia te dizer, mas teria que te matar.
   Chegaram. Ele ofereceu um drink, ela aceitou. Bebiam whisky. Então ele perguntou.
- Uma garota de programa pode se apaixonar?
- Não sei, pode?
- Não sei.
- Pode. Mas não deve.
- Eu odeio a sociedade.
- Eu também.
- Então celebremos nosso ódio à sociedade!
- Não.
- Não?
- Mesmo sendo puta, tenho mãe. Na verdade, tive. Ela me ensinou que ódio não se celebra.
- É. Ela tem razão.
- Você é interessante.
- Você é diferente.
   A preta perguntou onde era o banheiro, o preto respondeu. Ela foi. Ele abaixou a luz, para criar um clima sensual. Logo a garota voltou: nua.
- Foi uma longa noite, vamos aproveitar.
   Ele levava o seu copo de whisky à boca quando percebeu que algo estava errado. Não deveria haver movimento algum na janela de vidro negro perto da porta. Daquela distancia só poderia se perceber ações bem próximas à vidraça. Largou o recipiente, que se estilhaçou no chão. Mas antes da colisão, ele se jogou para frente cobrindo o corpo nu de Janet. Nada aconteceu, então fez um sinal com a mão para que fossem abaixados até o sofá. Mesmo sendo quem fosse a mulher se sentia envergonhada e nervosa agora.
   Atrás daquele móvel de couro marrom, ele fez sinal para que ela ficasse ali. Alguém se escondia. Tratava-se de sobrevivência, não mais código de acesso. Agachado Werneck olhava para os pontos sombrios de sua casa.
   O silêncio durou seis segundos, três passos e um disparo.
   Agora só restava se livrar daquele valioso código.
   Numa sexta-feira normal, 13, mas comum, sem nenhum plano concreto conseguira se vingar dos seus dois maiores inimigos, ou melhor, falsos amigos: Gilberto Fonseca e Carlo Mellini. Esperava apenas não estar cultivando uma futura inimiga, ao dizer que Janet agora tinha que ser parte da vida dele. Ele não iria matá-la. De jeito algum.
- Como você pode confiar em mim, me conheceu há pouco tempo. E eu sou uma prostituta. Uma puta.
- Mas, assim como eu, você fugiu a regra, você... Não sei.
- Eu também não.
- Se quiser saber o código de acesso, eu não ligo.
- Agora eu quero mudar de profissão. Quero ser agente secreta.
- Perfeito. (E eles se beijam)

[17/03/08]