1.6.09

Nada pra esquecer

 
   “A cada dois minutos e trinta e seis segundos um brasileiro morre por causa do cigarro.”. Imagine se ninguém morresse, o mundo seria uma grande China. Aposto que alguém está morrendo agora.
   Roberto Dinamite subiu pelo meu ombro se esfregando em minha nuca. Ele observava as brasas na ponta do meu cigarro, sem entender. Cuidado, isso mata, Roberto. Era um gato inteligente e mais preto que eu.
   O jornal estava um porre. O telefone não tocava. O dia escurecia. E eu estava velho. Você está velho, camarada, eu disse ao eu enrugado no espelho do armário. Me Levantei e fui à sala.
   Eu estava velho e cansado. Tinha um cigarro e um gato. Mais nada. Um jornal que me alertava sobre os maus do tabaco e do fumo passivo.
   Logo, a ponta da minha arma de destruição em massa era a única luz acesa no escuro do cômodo. O silêncio era confortável agora. O gato pulou para cima da mesa. E ela não veio e ela esqueceu e ela tinha razão. Os fios ralos que me restavam na cabeça eram brancos.
   Alguém morreu por causa do cigarro e o gato escapou pela janela. O que foi Dinamite? Eu andei até a porta. Havia uma carta presa na parte de cima. Eu girei a maçaneta e catei-a no ar com astúcia. Ainda tenho um pouco de agilidade. Olhei para o Roberto e talvez ele estivesse me influenciando mais do que pessoas que dividiram uma vida comigo.
   Sentei no sofá. Há quantos anos eu não recebia uma carta escrita a mão? Todo o tempo só uma cachoeira de propagandas, cartões de créditos e contas que inundaram a minha residência, entortando muitas vezes o sorriso do meu rosto.
   O cigarro acabou e o joguei pela janela. As letras eram de uma escrita redonda, de moça. Dizia poucas coisas. Mas me fez pensar. Senti uma vontade de chorar e pensei: estou velho pra caralho.
   O telefone tocou e minha mão correu até lá. Antes de pegar, esperei chamar mais uma vez. Nessa idade e eu voltei a raciocinar como um garoto de treze anos. Alô? Era o Josías. Ele lembrou e me chamou pra tomar uma cerveja no barraco dele.
   Eu peguei o gato e ele virou a cabeça pra mim. Seus olhos brilharam amarelos. Um arrepio desceu minha espinha. Roberto Dinamite me disse algo. Talvez eu tenha entendido. Alguém morreu e eu saí.
   Andei até lá. Não era muito longe, mas durou pelo menos duas mortes ocasionadas pelo fumo. Eu não tinha cigarros. Nem cerveja. Muito menos dinheiro. Não tinha ela, nem a outrazinha. Não tinha nada mais. Nada pra lembrar, nem pra esquecer.
   Ao chegar lá, SURPRESA! E eu sorri. Todas as pessoas que nada me ensinaram estavam lá. Era bom estar velho com aquelas pessoas. Alguém gritou “Como é ter 16 anos, hein?”. Ouvi risos. Meus olhos analisaram cada um presente. Eram muitos. Eram muitos. Eram muitos. Eram. Eram. Era. Ah!
   Mas... Ela.... Ela não estava lá.
   Nem a filha dela, a pequenina das letrinhas, eu pude ver. Da menina ao menos ganhei um espero que essa cartinha chege no dia certo. E, principalmente, um feliz aniversário vovô.
   E então eu entendi o que o Roberto Dinamite tinha me dito, eu acho. Ele disse tchau. E a vítima da vez fui eu. Havia passado mais dois minutos e trinta e seis segundos assim que eu entrei na minha festa surpresa. Meu coração.
   E eu não consegui guardar os sorrisos de todo mundo no meu.
   E eu não consegui manter meus pés no chão.
   E eu não consegui segurar as lágrimas.
   A festa acabou.

[13/01/09]

Um comentário:

  1. Não importa quantas vezes eu leia esse conto (eu sei, não foram muitas), sempre vou chorar no final. É genial. Mas eu já te disse isso, espero.

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