22.5.09

Verbo #01 – Rir

(Essa é uma longa história, contada em partes, que começou AQUI)

Rir

   Eu voltei à minha cabine. Todos trabalhavam separados lá. Eu – por minha importância para a empresa – ficava perto da janela. Depois meu chefe me chamou em sua sala. Sete anos trabalhando lá e eras apenas a segunda vez que isso acontecia.
   Lá, tudo aconteceu muito rápido. Ele me olhou dos pés à cabeça e disse abruptamente “Você está demitido.”. Sim, isso me pegou de surpresa. “Dormindo em serviço, tentando o suícidio... Assim não dá. Pegue suas coisas. Todo o dinheiro que é seu por direito será depositado na sua conta até amanhã. Agora, vá para casa descansar a cabeça.”. As rugas e a cara de sargento – eu tentei fixar bem aquele rosto, era a minha personificação do ódio – o homem parecia Hitler.
   Não precisava me despedir de ninguém. Parecia que a empresa não era muito fã da idéia de “trabalho de coletivo”. Arrumei tudo dentro da minha mochila e entrei no elevador para ir embora. Minha cabeça doía e eu nem pensava no que tinha acontecido mais cedo.
   Lá dentro já estava uma mulher/garota. O espelho de lá refletia um cara alto e (muito) magro segurando uma mochila preta. Do lado dele, uma moça delicada de cabelos curtos. Nós trocamos olhares. São aqueles cinco segundos que você fica pensando no que falar e não diz nada. Quando a porta se abriu ela me perguntou se eu gostava de borboletas. Antes que eu gaguejasse respondi: “Eu gosto de borboletas.” Parece uma resposta idiota, não? Soou dez vezes mais idiota quando eu falei.
   Ela sorriu simpáticamente. E assim nós saímos do prédio junto. Eu ia para a esquerda e ela para a direita. Antes de nunca mais me ver de novo, ela apontou para o meu sapato e falou que estava desamarrado. Eu percebi que o all-star laranja dela também tava. “Seu cadarço também tá desamarrado.”. Ela sorriu e quando eu fui abaixar – meio desajeitado por causa da mochila e da maleta – ela disse que amarrava o meu também.
   Cena estranha, uma garota desconhecida amarrando meus cadarços. Me senti no jardim de infância. Foram segundos assustadoramente longos. Ela levantou e disse “Pronto.”. “Então, até a próxima” – eu falei. E no passo seguinte, caí de cara no chão. O céu já escurecia e a calçada estava quente como sempre. A cabeça dela surgiu sorrindo.
   Ela tentava conter o riso.
   E eu também.

2 comentários:

  1. Já começo a gostar.

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  2. Borboletas, cadarços e você não me visita mais. Quanto ao emprego, ouça "Ouro de Tolo" de Raul Seixas e beba ou coma algo de que realmente goste muito.

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