22.8.09

Não sei

 
   A principio parecia uma sexta-feira normal, 13, mas comum. Como sempre Werneck passou lá. A garota era bem magra, cabelos longos e ondulados; pele escura como a dele: era perfeita. Cabelo para puxar (diferentemente do seu cabelo raspado), pele preta e cara de inocente. O workaholic não agüentava mais ver rostos culpados no final da semana. Era uma linda mulher, embora nunca fosse ingênua, havia de parecer pura. Algumas apelavam para esse rosto que tanto o agradava, mas outras mantinham a feição safada, mais verdadeira. Ele nunca ficava com uma dessas.
   Estavam indo para a casa dele. O bip vibrou, naquele jeito especial: forte, fraco, forte, fraco... O toque indicava SOS, a ligação era urgente e provavelmente destruiria sua noite. Ultimamente andava muito solicitado. Com o celular numa mão e o volante na outra ligou para quem havia lhe mandado a mensagem emergencial.
   A conversa foi rápida, terminou com uma ordem, um prazo e um sorriso sarcástico de raiva para si mesmo. O homem de cabelo raspado e terno rapidamente arquitetou um plano. Envolvia a mulher com roupas exuberantes ao seu lado.
- Você se importa de sair comigo... Antes?
- Não, tudo bem. (sorriso simpático)
- Certo, não demoraremos. Sorria apenas, obrigado.
   Em três minutos percorreram todo o caminho até o restaurante onde era o encontro. Em três minutos a garota se trocou no banco de trás. Werneck estava sempre preparado, embora fosse a primeira vez que isso acontecesse, tinha roupas adequadas guardadas para casos como esse no seu modesto Renault preto.
   Entraram no ristorante. Ele conhecia o lugar: cheirava a gente sem escrúpulos. Aquela cantina italiana era onde ele não queria estar. Odiava lá, odiava as pessoas de lá. As pessoas com olhar esnobe lotando as diversas mesas lhe faziam pensar “Não dá mais para mim, estou cheio de varrer tudo para debaixo do tapete.”.
   Na mesa 31, no segundo andar, localizaram Gilberto. Quase velho, óculos de aros negros e lentes espessas, careca, tique nervoso.
- Olá, essa é a Janet.
- Prazer (Sorrisos).
- O prazer é todo meu (a mesma voz grave do celular).
- Olha, nós não temos muito tempo (ajeita a gravata).
   A casa estava cheia, eles beberam e trocaram algumas palavras superficiais. Depois o agente de terno G. Fonseca pediu para falar num lugar mais reservado com o agente P. Werneck. Esse, antes de levantar, falou algo no ouvido da garota, ela concordou, ele tirou o paletó dizendo obrigado e saiu ao lado de seu companheiro. Seguiram o Maitre, já conhecido de ambos, até mesmo por ter muito mais sujeira debaixo do próprio tapete do que qualquer pessoa no restaurante. Ele também era da companhia, ele já fora alguém. Chegaram a uma área privativa, no final de um corredor bem perto da mesa onde estavam.
   Era uma sala vermelha, formidavelmente decorada. Ficava separada do corredor por uma cortina opaca rosada, feita de um pano bastante espesso. Havia um sofá circular, mas eles ficaram de pé.
- Eles querem te matar. – começou Gilberto.
- Eu também quero matar todos eles.
- É sério. Você sabe como todo mundo da companhia é descartável.
- Eu não sou. Eu conheço cada pessoa, cada agente. Eu sei o código de acesso.
- Eles podem te matar para conseguir isso. Me diga. Você sabe que eu posso te livrar dessa. Aí então você poderá fugir, ter uma vida, uma mulher... Filhos! O que mais você quer? Me diga.
   Vingança, pensou Werneck. Mas disse:
- Não, não vai dar. Eu tenho um plano.
- Você sempre tem! E é por isso que ninguém gosta de você. Nunca dá uma chance ao acaso. Você poderia, por favor, me dar o Código de Acesso?
- Não?
- Me dá o Código de acesso!
   Gilberto tinha as duas mãos em seu revolver. A arma dele tinha silenciador. A de Werneck também, mas ficara em seu paletó.
- Espere, deixe me considerar... Se eu disser o código, você vai me matar do mesmo jeito, não é?
- Não. Você sabe que não. Nós somos amigos, eu só quero o melhor pra você, nem que seja à força.
- Então tá. O código é...
   Um movimento leve na cortina rosada, Gilberto, ainda apontando para seu iniamigo, recolheu o braço com a arma para frente da barriga, atrás de seu paletó, de modo que quem entrasse não pudesse vê-la.
- Posso interromper? (Uma voz conhecida no meio do barulho do restaurante)
- Não, Mellini, depois! (Era o Maitre, Gilberto foi arbitrário.).
   O agente encurralado e visivelmente nervoso pôs as mãos no bolso. Estava de costas para a cortina. Um clique em seu celular e uma algo vibrou na mesa que eles estavam antes, claro, imperceptivelmente para ambos ali. Segundos depois, surgiu Janet pelo mesmo lugar que viera Mellini.
- Saia daqui seu Maitre estúpido! (Logo em seguida, ficou surpreso por não ser ele).
   Num movimento ligeiro, Werneck arremessou seu celular no rosto de Gilberto, quebrando assim seus óculos de aros negros. Ainda segurando a arma, o careca cambaleou para trás, de modo que seu oponente saiu de sua mira. Ele poderia ter tentado atirar, um único disparo certeiro, mas não quis, pois poderia atingir um inocente e causar um escândalo. Ele não queria isso.
   O detentor do código de acesso astutamente lhe deu um tapa na arma com a parte oposta a palma de sua mão. Rapidamente, desferiu no agente traidor um soco no diafragma e logo em seguida puxou-lhe a gravata com a outra mão. Gilberto estava humilhado, caído sem força, nem fôlego num dos punhos de Werneck e com a vida lhe escapando pela asfixia.
- Volte a nossa mesa e peça a conta, eu já vou.
   Ela assentiu com a cabeça e saiu. Não parecia muito chocada. Sem prazer algum, o agente P. assassinou, enfim, seu ex-amigo, o agente G..
   Tudo ocorreu como devia e Carlo Mellini nem os viu saindo.
- Obrigado, salvou a minha vida. Eu nunca imaginei que alguém como você fosse capaz de fazer isso. Irei te pagar 100 vezes o combinado. Vamos para casa.
   Ela sorriu. Diferentemente das outras que faziam programa, Janet tinha pouco corpo e um belo sorriso claro. Saíram de carro, o corpo ficou lá. O Maitre estava sempre pronto para arrastar mais um para debaixo do seu tapete.
- O que ele queria?
- Coisas que na verdade não tem valor algum.
- O quê?
- O Código de Acesso (um esboço de riso).
- E qual é o código?
- Eu poderia te dizer, mas teria que te matar.
   Chegaram. Ele ofereceu um drink, ela aceitou. Bebiam whisky. Então ele perguntou.
- Uma garota de programa pode se apaixonar?
- Não sei, pode?
- Não sei.
- Pode. Mas não deve.
- Eu odeio a sociedade.
- Eu também.
- Então celebremos nosso ódio à sociedade!
- Não.
- Não?
- Mesmo sendo puta, tenho mãe. Na verdade, tive. Ela me ensinou que ódio não se celebra.
- É. Ela tem razão.
- Você é interessante.
- Você é diferente.
   A preta perguntou onde era o banheiro, o preto respondeu. Ela foi. Ele abaixou a luz, para criar um clima sensual. Logo a garota voltou: nua.
- Foi uma longa noite, vamos aproveitar.
   Ele levava o seu copo de whisky à boca quando percebeu que algo estava errado. Não deveria haver movimento algum na janela de vidro negro perto da porta. Daquela distancia só poderia se perceber ações bem próximas à vidraça. Largou o recipiente, que se estilhaçou no chão. Mas antes da colisão, ele se jogou para frente cobrindo o corpo nu de Janet. Nada aconteceu, então fez um sinal com a mão para que fossem abaixados até o sofá. Mesmo sendo quem fosse a mulher se sentia envergonhada e nervosa agora.
   Atrás daquele móvel de couro marrom, ele fez sinal para que ela ficasse ali. Alguém se escondia. Tratava-se de sobrevivência, não mais código de acesso. Agachado Werneck olhava para os pontos sombrios de sua casa.
   O silêncio durou seis segundos, três passos e um disparo.
   Agora só restava se livrar daquele valioso código.
   Numa sexta-feira normal, 13, mas comum, sem nenhum plano concreto conseguira se vingar dos seus dois maiores inimigos, ou melhor, falsos amigos: Gilberto Fonseca e Carlo Mellini. Esperava apenas não estar cultivando uma futura inimiga, ao dizer que Janet agora tinha que ser parte da vida dele. Ele não iria matá-la. De jeito algum.
- Como você pode confiar em mim, me conheceu há pouco tempo. E eu sou uma prostituta. Uma puta.
- Mas, assim como eu, você fugiu a regra, você... Não sei.
- Eu também não.
- Se quiser saber o código de acesso, eu não ligo.
- Agora eu quero mudar de profissão. Quero ser agente secreta.
- Perfeito. (E eles se beijam)

[17/03/08]

Nenhum comentário:

Postar um comentário