5.8.09

Jantar

  
- Marcos 14:35; E, à hora nona, Jesus exclamou com grande voz, dizendo: Eloí, Eloí, lamá sabactâni? que, traduzido, é: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?
   Ela era uma moça magra e com o rosto comprido, embora o português do Brasil já estivesse dominado, ainda não conseguia se passar por Brasileira – a portuguesidade da sua fala é indisfarçável. Naquele dia, ela usava um vestido verde comprido – nada muito chique, não.
- Fala logo o significado, porque eu não entendo nada disso.
   Ele era barbudo – nada exagerado – e vestia, como sempre, uma camisa vermelha e bermuda azul-marinho. Ateu declarado, ficava um pouco irritado quando ela usava passagens da bíblia pra exemplificar algo.
- Até Jesus já se sentiu desamparado diante das linhas tortas do Senhor.
- Você devia levar esse troço menos à sério.
   Um tapa bem dado fez com que as pessoas do aeroporto olhassem na direção dos dois.
- Ai! Doeu.
- Ainda me matas de rir! – ela ri dele.
   Ele acha engraçado, o fato dela estar rindo de uma coisa tão boba. Aliás, do que ela estava rindo mesmo?
- Eu só quero jantar com você, nós prometemos, lembra?
- Lembro.
   A moça chegou de Portugal, andando pelas ruas do Rio, totalmente perdida, em busca de Cocaína. Mas ela achou Jesus, literalmente. O rapaz barbado não entendia nada de drogas, fora um santo a vida inteira e queria a auto-destruição.
   Ao saber disso e perceber o seu estado de viciada, a portuguesinha caiu no choro. Ele perguntou porque ela chorava. E ela disse que ele não devia fazer isso. Então fizeram um acordo: se ele não começasse com as drogas, ela não voltaria às drogas. Se isso se concretizasse, ele ganharia uma recompensa. Um jantar com a portuguesa.
- Mas, meu barbudo, agora não dá mais.
- É claro que dá!
   Ela, com o apoio dele, procurou na igreja as forças necessárias para parar. E ele encontrou nela o que precisava para não se destruir. Foram um belo casal. Mas, embora íntimos, nunca fizeram um jantar que pagasse a promessa.
- Ei, não aja como se fosse sumir. É só um rio entre nós. Um riozinho minúsculo.
- Um rio chamado Oceano Atlântico.
   Juntos depois de um tempo, o casal finalmente foi dormir junto – nesse dia, ela chorou novamente. Ele perguntou porque ela chorava. E ela disse: Eu te amo.
- Ainda dá tempo, vamos fazer um jantar especial, celebrando nossa vitória.
- Tua vitória.
- Você venceu muito mais batalhas do que eu.   
   Ele estava com lágrimas nos olhos. Não se sentia vitorioso de maneira alguma. Ela permaneceu em silêncio olhando para o chão. Ele estava parado com os olhos nela. Então, fechou os olhos e respirou fundo e disse tudo sem pausas para tomar fôlego.
- Eu tenho que te dizer que tudo que eu já quis agora é memória se você for embora minha vitória vai embora tudo vai embora nossa vida vai embora eu já estou cansado minhas pernas estão cansadas e meus olhos estão cansados da lucidez.
   Um abraço forte. Mas um abraço não dura para sempre e os dedos dele logo já não conseguiam tocar os dela por mais que tentassem, os braços não encontrariam mais o corpo dela e meus olhos logo perderam de vista aquele avião.
   Você não pode acreditar numa mulher que fala que te ama. Se acreditar, ela vai olhar para dentro do garotinho de 12 anos que você nunca deixou de ser e te dizer:
- Não vou ficar pro jantar.

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