12.4.09

A Estrela (de Cinema)

 
   Um idoso compra remédios silenciosamente na farmácia. Seus dedos vacilam entre os pequenos potinhos de pílulas e ele hesita. De repente, um jovem diz, um pouco alto demais. “Não acredito! O que John Carter está fazendo aqui!?”. É um rapaz estranho, deve ter uns vinte anos.
   E ele não pára; Aproxima-se falando em inglês com o idoso. “Talk to me John, I’m your biggest fan! Gimme an autograph!”. O velho olha para a cara do garoto e fala “Tá doido?”. A reação é “Meu Deus! John Carter fala português!” e depois “Me dá um autógrafo! Eu assisti todos os seus filmes, eu sou o seu maior fã! Meu pai adorava quando você dizia aquela frase de impacto: I won't spill blood... Anymore!”. O velho ranzinza pega seu remédio e vai andando lentamente até o caixa tentando ignorar o jovem irritante que berra seus filmes incríveis e fala quais eram os seus preferidos e as suas falas favoritas...
   “Garoto! Eu não sou esse cara, então, por favor, me deixa em paz.” O suposto John Carter pega seu remédio e sai da farmácia. O rapaz vai atrás dele “Não precisa ser modesto! Eu só quero um autógrafo, please!”. O velho ignora e segue, o garoto continua atrás dele implorando pelo autógrafo “Meus amigos não vão acreditar que eu encontrei o incrível ator John Carter numa farmácia do Rio de Janeiro!”. O idoso parou, e falou lentamente “Olha, se você continuar me seguindo, eu chamo a polícia.”. O jovem olha para ele, pensa um pouco... “Atrás daquele ladrão, 1962 – eu lembro bem dessa fala! - (faz cara de mau) Look boy, if you keep following me, I will call the cops and you... You will suffer more than that guy in the cross.” O velho suspira e continua andando “Vá embora garoto.”. De repente, o rapaz para e faz uma cara de choro “Mas... Mas... M-mas...”. O velho diz de novo “Só vá embora, só isso.”.
   Com os olhos cheios de lágrimas, o jovem de vinte anos vira as costas ainda mal acreditando que encontrara John Carter, seu maior ídolo. O velho não dá bola para ele e vai para casa. Entra no prédio, cumprimenta o porteiro Josué e sobe.
   Lá ele liga o computador (onde fica o botão de ligar mesmo?) – coisa que não fazia há séculos – e entra naquele site de procura, o... Google, isso! Escreve “John Carter.”. A primeira página que aparece ele clica. Um texto enorme falando sobre um ator antigo... E ao lado há uma foto dele. O velho pensa “Não é que é parecido mesmo?”.
   Depois desce até o térrio, havia esquecido de pegar o jornal. O porteiro se desculpa por não ter lembrado antes. O velho aproveita para dizer uma coisa. “Josué, você sabia que eu fui um grande ator de Hollywood nas décadas de cinqüenta e sessenta?” Ele faz que não com a cabeça e parece muito surpreso. “Pois é, eu era um ótimo ator... Já sei, você quer um autógrafo, né?”.
   Volta para seu apartamentinho. Pega seu pote de remédios e anda lentamente até a janela. Vira o recipiente e vários compridos caem lá embaixo. Depois lança o pote daqueles antidepressivos também. Ele ri sozinho e fala para si mesmo “Finalmente... Sou uma estrela.”.

Um comentário:

  1. Que "comemoração" à solidão!
    Gostei deste texto, bacana.

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