24.4.09

A Coisa Mais Linda

  
   Eu estou num quarto de hotel. Como sempre. E a minha cabeça dói. O céu já deixou de ser azul – isso é estranho. Todas as partículas do meu cérebro se concentram. Bem unidas. No segundo seguinte, se espalham rapidamente. Depois da primeira vez, o céu já estava mais azul, parecia esverdeado... Nesse momento, eu já nem consigo sair da cama. Meus olhos estão perdidos na dor de cabeça e na vermelhidão do céu.
   Levo o cigarro à boca. Faço uma ligação do celular. (- Me vê uma que não seja experiente, que faz isso só pela grana.). Dou o endereço. E espero.
   A dor explode de novo. Cada vez mais forte. São zilhões de neurônios se estapeando. Ligo a televisão pelo controle remoto. Tem uma multidão feliz pra caralho. Passando no meio deles, está ele com a mão elevada e o sorriso no rosto. Aquele é o primeiro presidente negro dos Estados Unidos da América. Você sabe o nome dele.
   Eu fico assistindo ele desfilar até o palanque. O telefone toca. Pode subir. Ele chega ao microfone. E antes dele abrir a boca, eu falo sozinho: Yes, we can. Depois, é a vez dele falar isso. E os zilhões de pessoas em volta dele. A dor corrói mais um pouco da minha cabeça. A campainha toca. Pode entrar.
   Ela entra insegura. Deixa a bolsa por aí e senta aqui. Primeiro, ela quer combinar o preço. Eu dou a ela a quantia equivalente à uma hora de trabalho. Pode abrir a janela? Ela abre. Vamos conversar, eu digo. Ela faz que sim com a cabeça.
- Pra você, quem é do mal?
- Como?
- Quem é mau? Digo, os vilões da vida real.
- Ah... Os políticos. – A dor vem e o céu lá fora continua vermelho. – Cê não acha?
   Eu ignoro a pergunta e aponto para a tela da televisão “Até ele?” pergunto.
   Eu sei o que ela está pensando. Ela iria dizer “Não, o Obama não.”. Mas isso contrariaria sua resposta anterior, então depois de refletir um pouco ela responde “É, acho que é.”. Está ventando, eu percebo pelo arrepio na minha pele.
- Por que você acha que eles são os vilões?
- Cê sabe né, é tudo corrupto, não importa quem for.
   Deve existir um zilhão de putas com a mesma opinião. E um zilhão de pessoas é gente pra caramba. Mais zilhões de esperançosos de todas as profissões e desempregados. Zilhões não podem estar errados. Eles sabem que o mal vai continuar no poder. Eles sabem que o mal vai sempre vencer.
- Ele estão vindo me pegar, acho que não quero gastar minha última noite com sexo.
- Por mim, tudo bem.
   Um zilhão de partículas geram dor e mais dor na minha cabeça. Zilhões de moléculas e bichos invisíveis ao olho nu sabem que eu devo sentir dor, elas não podem estar erradas.
- Me diga, de que cor está o céu?
- Azul, né? – depois ela acrescenta – Ou preto. Tá escuro.
   Eles entoam “Yes, we can.” sabendo que o mal vai continuar em vigência, não importa quem for o presidente do planeta. Esse preto – na verdade, marrom-bombom e olhe lá! – mais famoso do mundo, ele se deu bem ao levar a sério idéias de outras “minorias”. Aquele viado que estão produzindo um filme sobre. Ele dizia “You’ve gotta give ‘em hope.”, não é exatamente o que o novo dono do mundo está fazendo?
- Pra mim, o céu está vermelho.
   Ela olhou pra mim, refletiu um pouco e disse:
- O que importa é que tá ventando prá nós dois.
   Eu sorrio. Não tinha percebido isso. Digo que mudei de idéia. Me levanto da cama. Bem, pulando os detalhes, nós fazemos sexo.
   Eu sinto menos dor na cabeça. E nem me atrevo a olhar para o céu. A televisão está desligada agora. Eu tenho que pensar, preciso fazer alguma coisa.
   De repente, ela já tá indo embora.
- Ei, espera.
   Ela olha pra mim. E eu digo algo que sempre quis contar pra alguém e não sei por que, mas me pareceu o momento perfeito.
- Sabe de quem eu sinto mais falta da minha família?
- Seus filhos?
- Não, do cachorro. – ela balança a cabeça, nem deve estar prestando atenção. – Era um bobão, um beagle. Nós levamos ele para o adestrador. Uns três dias depois, ele estava em casa já. Eu perguntei para o meu filho se ele tinha aprendido a fingir de morto e essas baboseiras. Ele me olhou triste e disse “O treinador disse que ele é... Que ele não aprende, de jeito nenhum, os truques que todos os outros zilhões de cachorros aprendem.”. Foi a coisa mais linda que eu já ouvi na vida.
   Ela esboça um sorriso e vai embora. E eu noto que meu filho será “mau” quando crescer. Assim como eu era. Eu não ligo. É melhor eu arrumar minhas malas agora.
   O céu não está mais vermelho. Minha dor de cabeça passou. E eu não serei manchete no jornal de amanhã.

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