6.5.09

Sem Palavras

 
   O show do Pearl Jam havia acabado fazia meia hora. Eu estava tentando pegar um táxi, mas tinha realmente muita gente lá fora da apoteose. Finalmente, aquele bendito carro amarelo veio parando na minha direção. Quando fui entrar, percebi que ele não tinha parado pra mim, mas sim para a garota do meu lado.
   Então, como um sudito – e para disfarçar minha distração – abri a porta de trás para ela com gestos exagerados. Ela me olhou e... sorriu um sorriso meigo. Foi quando eu me toquei que aquela era minha vizinha. Quanta coincidência! Ela morava no 4o andar – no mesmo andar que eu.
   Depois de passar por mim, ela fez o sinal pra que eu entrasse também, afinal nós estávamos indo para o mesmo lugar. E eu entrei, sem cerimônias, sem dizer nada. Do mesmo modo, o taxista nos olhou esperando saber o endereço. A minha vizinha já ia abrindo a boca pra falar, quando eu a interrompi e entreguei a ele um papelzinho com um mapa – eu andava sempre com isso, porque é extremamente difícil explicar para as pessoas onde eu moro sem desenhar nada.
   E então, estávamos nós dois e uma viagem de táxi (não muito longa) inteira pela frente. Eu acho que ela pensou que eu estava me sentindo desconfortável no ínicio da viagem, porque eu estava muito parado olhando pro nada: não conseguia lembrar o nome dela. Algo com V ou D... Eu simplesmente não lembrava.
   Para quebrar a monotonia, ela me chamou a atenção com a cabeça e apontou para onde estava a apoteose. Ou seja, o que eu havia achado do show. Eu balancei a cabeça com uma pessoa incrédula e fiz cara de “não poderia teria ter sido melhor.”. Ela concordou e mostou o punho – era como um sonho. Nós dois estávamos sem palavras, literalmente.
   E nós continuamos conversando através de sinais por toda a ponte rio-niterói. Lembrei que ela tocava violino e fiz um “air violin”. Ela riu em silêncio e depois me fez prestar atenção na postura de um violinista e no posicionamento do queixo. E sorriu mostrando o dedo pra mim – como quem diz: é assim que se faz. Eu imitei o Eddie Vedder (vocalista do Pearl Jam) bebâdo de vinho. Mantendo o silêncio – até porque eu estava completamente rouco.
   Ela pareceu ter gostado e começou a imitar o guitarrista da banda, Mike McCreaddy (inclusive fazendo uma piada de humor negro com a doença que ele tem – a doença de Cronh). De repente, um barulhinho e eu eu tinha recebido uma mensagem. Eu pedi um minuto com a palma da mão pra ver o que era. E levei um susto.
   “Ela morreu.”. A mensagem era de uma amiga cuja única conhecida em comum era... Minha primeira namorada, que eu não via desde que nós haviamos terminado, seis anos e meio atrás. A primeira coisa que você pensa nessa hora é: COMO ASSIM!?. Na minha cabeça vieram diversas imagens. Nós nos conhecendo, nossos encontros, as vezes que a gente ficou, o dia em que eu a pedi em namoro, nossa primeira vez.... Tristeza, acho que é o nome de um sentimento que a gente não encontra assim tão fácil e simplesmente. Lembrei dos momentos péssimos, das brigas (e foram muitas), da mãe dela, do pai e do (maldito) cachorro. Respondi àquele torpedo com a seguinte mensagem de texto: “...”.
   Dizem que uma imagem vale mais que mil palavras, mas naquele momento eu estava emocionalmente sem palavras: o silêncio valeu mais que todas as mil imagens dela que eu tinha dentro de mim.
   Minha vizinha ficou preocupada, franziu a sobrancelha. Eu balancei a cabeça pra mostrar que ‘não,’ estava tudo bem. Foi estranho. Mas eu não me sentia mal. Só me parecia que um pouco do Continente Eu, havia se desprendido e se perdido num imenso oceano...
   Antes que isso tomasse conta de mim, tentei me animar voltando a conversa muda com aquela garota tão simpática que dividia o táxi comigo. E quando estávamos rindo novamente das caretas um do outro, ali estava nosso prédio no fim da rua. Rapidamente, tirei a carteira e paguei ao motorista que agradeceu com a cabeça. Não era um sujeito de falar muito pelo visto.
   Nós descemos do carro. Ambos estávamos cansados. E suados por causa do show. O silêncio do elevador foi terrível. Quando olhei no espelho, senti falta de repente da minha primeira namorada. Mas a porta do elevador se abriu e eu deixei isso para lá. Para a complexidade do planeta sem perguntar por quês. Afinal, o que será o amanhã, se o tempo ficar preso no ontem?
   Trocamos olhares eu e a... V... D... Bianca! De repente lembrei. Bianca. E acabei abrindo um sorriso e mostrando meus dentes. Ela riu silenciosamente olhando pra baixo de um jeito tímido. Eu achei aquilo tão meigo. Tão... Bem, era hora de nos separarmos. Nós trocamos olhares uma última vez para ler o que outro estava pensando.
   Então, sem dizer nada, eu fui pra minha casa.
   E ela foi pra casa dela.
   Mais tarde.

   Depois, quando fui dormir - eu não estava cheio de silêncio, mas sim, de um grito. Um grito que não cessou até hoje. Um grito simplesmente, sem palavras. Um grito tão alto que vai sempre fazer parte de mim, mesmo que a dona da voz que grita não esteja mais tão próxima da minha alma. Um grito que eu sei que ainda vou ouvir, mesmo que aquela que grita não esteja nem entre nós, malditos mortais.

4 comentários:

  1. Para definir o que senti ao ler este texto, terei que citar você: "...".
    Reticências de deslumbramento, por supuesto.

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  2. Você adora me fazer chorar...

    Adorei essa parte: "Só me parecia que um pouco do Continente Eu, havia se desprendido e se perdido num imenso oceano..."

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  3. Anônimo21:04

    esse foi amis um de seus desafios??? da vontade de gritar também.. pq ele não gritaaaa aaaAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

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  4. Na verdade não.
    Eu simplesmente tive essa idéia.
    Mas não tinha tempo de escrever.
    Aí numa feliz madrugada eu fiz vomitei isso tudo e ficou legal.
    (Até porque eu só tinha um páragrafo na minha cabeça... "Dizem que uma imagem ...")

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