17.5.09

A Mariposa e a Lâmpada

 

   As mariposas voavam em direção a luz e a rodeavam como se quisessem alcançar a fonte do brilho dentro da lâmpada. Era uma busca cujo resultado não era surpresa, nunca inseto algum passaria através do vidro e chegaria no ponto de iluminação tão desejado. E além do mais, qual era o motivo para elas voarem desenfreadamente em direção à luminosidade? Se na luz chegassem nada ganhariam, apenas realizariam um desejo sem razão que guardam dentro de si, talvez morressem queimadas.
   A garota observava a lâmpada e as mariposas, sentada numa cadeira confortável de madeira, com as pernas dobradas sobre o peito e os braços ao redor. Recuperara sua calcinha do chão e agora, enquanto pensava sobre sua vida e um pouco sobre a sina dos insetos, vestia uma camisa social abotoada que pegara no armário não muito antes de ir se sentar na varanda, naquela cadeira de acento macio e cômodo.
   Ela era bonita, o tipo de garota que você se apaixona só com um olhar, e implora mentalmente para que ela te olhe daquele jeito novamente, mas ela nunca faz isso outra vez, só para que você morra querendo em desejo. Ela não era bonita, era linda, qualquer um a acharia linda, ela era a realização da mulher idealizada de cada homem. Estava muito reflexiva e compenetrada, mas ainda assim mantinha aquele charme de menina-mulher, tinha uns vinte e poucos anos.
   A escuridão causada pela ausência do sol e a pobreza de luz da lua quase a engolia, mas a luz da lâmpada ainda fazia alguma claridade minúscula que a salvava da selvageria do breu. As mariposas faziam sombras por toda pequena varanda de madeira, voavam em volta da lâmpada e aterrissavam, querendo atingir a luz. Talvez a visão delas se pareça com um túnel e o propósito da vida delas é chegar até o final; assim vagava a mente da garota sobre o vazio da madrugada. 
   Um arrepio atingiu sua espinha e fez com que tremesse o esqueleto involuntariamente: era o frio da noite. Talvez aquilo fosse só uma impressão causada pela baixa temperatura e por estar tão pensativa, mas ultimamente as alvoradas estavam se tornando cada vez mais geladas. Levantou-se, foi até o modesto quarto, que ficava a uma porta da varanda, pegou um cobertor e voltou a sentar-se na cadeira. Agora, agasalhada. Perto dela havia a balaustrada de um lado e à sua frente uma mesa com um rádio. 
   Esticou o braço para alcançá-lo, assim girou o botão do som para o mínimo - não queria acordar o inquilino - e logo em seguida o ligou. Deu sorte, normalmente nenhuma rádio mais prestaria, mas especialmente nessas próximas horas haveria um especial de rock clássico, coisa boa. Começou a tocar “Time” do Pink Floyd. O volume era muito baixo, servia apenas para substituir o silêncio ensurdecedor de seus pensamentos por algo agradável.
   Olhou para cima novamente, mais uma vez observava as mariposas que se debatiam ferozmente até a morte contra a claridade medíocre da lâmpada. Talvez fosse um pouco de sono atingindo-a, mas tudo começava a se esclarecer, naquela escuridão que precede o nascer do sol. A vida dela era exatamente como a de uma mariposa, e o tempo não ajudava em nada, só deixava os dias mais longos e a solidão mais fria.
   No fundo, ela até gostava de ser uma mariposa. Queria liberdade e, no entanto, se tivesse que andar para se locomover, desceria um degrau na escada do livre-arbítrio. Mas de certo modo, aquilo a incomodava; que sonho ela procurava quando voava em direção à uma lâmpada? 

She would never say 
Where she came from

   Ainda antes de abrir os olhos, ele sentia os primeiros raios de sol da manhã atingindo seu rosto e aquecendo seu peito.

Yesterday don't matter
If it's gone

   Ouviu a música que tocava baixinho… Vinha da varanda. Era dos Rolling Stones, ele gostava. De olhos fechados assoviava a letra da música com um sorriso estampado no rosto e um gosto de “ainda não acordei” na boca...

While the sun is bright 
Or in the darkest night

   Lentamente ia despertando; sentia-se bem, sentia-se feliz. A noite anterior. A sensação de estar deitado em nuvem. Tudo.

No one knows
She comes and goes

   Abriu os olhos e não viu ninguém no quarto. 
   Foi até a varanda, o rádio foi deixado ligado. Não prestava atenção na música mais. Deu um soco na balaustrada. Estava com raiva, mas lentamente voltava a sentir a voz atípicamente séria do Mick Jagger penetrar seus tímpanos, o volume estava bem baixo...

Don't question why she needs to be so free
She'll tell you it's the only way to be

   Então a ficha parecia cair para ele, e isso se tornou claro quando, com a cabeça tentando se esconder na palma da mão, suspirou. Olhou para trás, viu sua cama bagunçada, seu armário aberto e um cobertor no chão.

She just can't be chained 
To a life where nothing's gained 
And nothing's lost 
At such a cost

   Era ela. A música era sobre ela. 
   As palavras faziam sentido para ele, mas teriam um sentido diferente para ela. Sentou-se na cadeira e olhou para a lâmpada no teto. Estava acesa, mas sua luz nada iluminava, pois o sol era bem mais forte...

There's no time to lose 
I heard her say
Catch your dreams before 
they slip away

   A lâmpada refletia a imagem dele. A iluminação que ela produzia sequer era percebida na luz do dia, seu brilho era tão fraco... À noite mal combatia o breu: só chamava atenção das mariposas.

Dying all the time
Lose your dreams and you 
Will lose your mind

   Sentiu-se desprezível. Mente e sonhos afundados no travesseiro de pena de ganso. Aquela garota havia levado tudo que ele tinha com ela, sem roubar-lhe um tostão furado.

Ain't life unkind

   Todos os “Se...”s dele eram inúteis... Não, nunca aconteceria. Sem chances, literalmente.

Goodbye Ruby Tuesday, 
Who could hang a name on you?
When you change with every new day
Still I'm gonna miss you.

   A música enfim terminava no refrão e ele despedia-se da garota misteriosa que ele nem sequer sabia o nome. “Adeus, Ruby Tuesday” disse em voz inaudível para uma pessoa que não estava presente e que não escutou suas palavras.

[21/12/07]

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