24.3.09

Foguete

 
   No quintal, atrás da igreja, nós nos divertíamos como não se faz num punhado de aulas chatas. Apenas nós dois - um rapaz barbado com sua impecável jaqueta de couro e uma moça loura de cabelos compridos com a roupa do uniforme ao avesso no chão. O sorriso no rosto dele era de "somos invencíveis." e a garota não sabia nem o que pensar, queria mais viver como um foguete - sempre em disparada.
   Anjo e Anjinha. Anjo Bom e Anjo Mau. Ângelo e Ângela. Se assaltássemos bancos nos estados unidos, faríamos sucesso pelo nosso estilo de... Sei lá, vilões carismáticos. Na verdade, só duas pessoas que não suportavam filmes orientais/europeus lentos e chatos.
   Ele tinha um revolver que poderia destruir sua vida - e sabia. Ela tinha um filho na barriga. Eu lembro que pensei que aquele dia seria o primeiro dia do resto das nossas vidas, foi intuição. Quando nós chegamos ao auge, a garota soltou um gemido exagerado, o rapaz estava em êxtase e alguém havia percebido que estavam profanando espaço religioso.
   Nus, nós ríamos um para o outro. O padre deve ter pensado que estávamos loucos de maconha, mas não era isso. Era o mundo se abrindo para dois jovens, como se nós pudéssemos ver espaço e tempo como coisas concretas - era como se a resposta do maior estudioso de física quântica estivesse dançando em frente à nossos olhos e nós não dávamos a mínima! Nosso foguete estava ali, destruição e prazer
   De repente, o padre apareceu com a cruz na mão. Do lado dele, alguém da igreja de roupa social. Foi o que nós vimos de relance, enquanto botávamos nossas roupas com pressa. "SÃO DOIS PERDIDOS!" gritou o padre, logo nós percebemos que toda a alcatéia de fiéis estava lá, nos observando. Isso emputeceu o rapaz, que correu a mão para a sua arma na jaqueta. A garota o impediu e ele, subitamente, levantou-se desferindo um soco furioso na boca do homem de roupa social.
   Ela pegou algo no chão. O sangue sujou a camisa branca do homem golpeado. Durante um ou dois segundos ele encarou os fiéis que calaram a boca. Foi nisso que o padre atingiu com toda a força a cabeça do rapaz com a cruz que tinha na mão. O valentão caiu de cara no chão, meio besta dos pensamentos, com a cara meio dormente. Sabendo o que ele diria à ela se estivesse consciente fugiu (com a jaqueta dele nas mãos).
   Ninguém tentou detê-la. O guarda da rua já havia sido chamado. O homem de roupa social suja de sangue falou que tinha perdido um dos molares no soco do garoto. Houve muita discussão e no final das contas, quem levou o rapaz foi o próprio pai, chamado rapidamente. Ele levou um esporro inesquecível. Não pôde sair para outro lugar que não fosse o colégio por dois meses. Mas essa confusão foi além. O bairro inteiro entrou em desavenças e o padre quase foi excomungado. Não passou disso.
   Nós virou Eles. O nós morreu. Eu morri. Mas eu já estava certo que isso ia acontecer cedo ou tarde. Nenhum dos dois assinou um contrato de fidelidade. Discutiram e eu, que sou o Nós, morri. Ela teve problemas com a gravidez, mas perdeu naturalmente o filho e ainda que triste, deu graças a deus por isso. Ele foi expulso mais tarde do colégio e saiu para trabalhar com apenas 17 anos.
   Naquele dia, o primeiro do resto da vida deles, os dois atingiram um patamar de maturidade... Considerado adulto. Ainda agiam como deviam agir, no entanto sabiam agora que o mundo se abria para eles não só mostrando o belo, mas também o feio, os buracos no caminho e tudo.
   Ele levou o ódio consigo e esqueceu tudo que pôde. Ela levou um troféu. Um troféu de primeiro lugar. Que carrega desde então como amuleto, para que tudo dê certo, para que ela mesma tenha coragem e para que, quando o tempo passar, ela continuar acreditando na vida de foguete. E foi essa relíquia que me ressuscitou e que me mantém vivo na mente dessa loira. Agora, eu moro num dente de ouro.

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